Preocupado com a recorrência das situações em que o credor, após longo trâmite da fase inicial do processo, conseguia provar o seu direito. Obter decisão meritória transitada em julgado, mas não materializava a sua pretensão, seja por não lograr citar o devedor ou mesmo, encontrar a satisfação da execução por cumprimento voluntário, ou forçado, o legislador tem, ao longo do tempo, se esforçado para aperfeiçoar as ferramentas jurídicas necessárias para aproximar o êxito material do processual.
E assim é que, dentre o mais, substituiu a necessidade de nova citação na instauração de uma execução de sentença para a mera intimação do advogado do devedor na fase de cumprimento de um processo sincrético. Desenvolveu os sistemas de busca e constrição eletrônica de bens e aperfeiçoou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Mas, como se infere do Relatório “Justiça em Números 2018” do Conselho Nacional de Justiça, ainda continua sendo a fase de cumprimento de sentença o principal fator de estrangulamento do Poder Judiciário. Aumentando a insatisfação do usuário da Justiça, que se vê constantemente refém de dificuldades em localizar ativos financeiros ou bens daquele que já sucumbiu à fase de conhecimento, mas não cumpriu o comando sentencial.
Diante deste cenário, a partir do novo Código de Processo Civil e seu artigo 139, inciso IV, que estabelece, de forma expressa, a possibilidade de o juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial. Inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, alguns julgadores têm se valido do princípio da atipicidade dos meios executivos e utilizado de seu poder discricionário para buscar alternativas visando à eficiência na entrega do resultado material do processo.
As medidas que mais frequentemente vêm sendo ordenadas são a suspensão temporária da permissão para dirigir e a apreensão do passaporte (e/ou anotação, pela Polícia Federal, de restrição de saída do país).
O Partido dos Trabalhadores ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo processual. De forma a se reputar a impossibilidade de sua utilização para determinar a apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, da apreensão de passaporte e da proibição de participação em concurso público e/ou em licitação pública. A referida ADIn (5.941) ainda aguarda julgamento.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já enfrentou o tema algumas vezes.
Em relação a todas as medidas, antes de apreciá-las, exige a Corte das Leis que se tenha, no processo de origem, observado o contraditório e a devida fundamentação da decisão que a determina. Ainda, que, necessariamente, se esteja diante de uma situação de ocultação de patrimônio, verificada após a prévia tentativa de constrição por meios menos onerosos ao executado, para que a medida seja considerada proporcional e razoável, uma vez que, se o devedor não tem patrimônio, a medida seria mera punição, sem a utilidade de compelir à satisfação da dívida.
No que diz respeito à suspensão temporária da permissão para dirigir, registrou que tal determinação não afronta o direito fundamental de ir e vir, ao menos não integralmente, uma vez que há muitas outras formas de se locomover e que não é possível sua aplicação caso o executado necessite desta autorização para o exercício de sua atividade laborativa e, consequentemente, produzir renda para pagar a dívida.
A apreensão de passaporte foi considerada pela quarta turma (RHC 97.876/SP) como ofensora à liberdade de locomoção do executado, mas tanto a segunda (HC 478963/RS) quanto a terceira turma (RHC 99606/SP) mantiveram as ordens existentes nos respectivos processos para restrição do uso de passaportes como forma de coagir os executados a pagar multa e indenização fixadas.
As medidas de restrição de participação em concursos ou licitação pública, em regra, afetam o direito constitucional do devedor ao trabalho para produzir renda, perpetuando a condição de insolvência e ofendendo a dignidade da pessoa física ou o livre exercício da atividade econômica da empresa e não vêm sendo deferidas.
Por outro lado, a restrição ao uso de cartão de crédito, ainda não enfrentada diretamente pelos Tribunais Especiais, já vem sendo determinada por juízes e Cortes de segunda instância com o cuidado de se observar se o devedor, apesar de inadimplente com a dívida executada, ostenta publicamente gastos exorbitantes, como em redes sociais, e mostra a despreocupação com novos endividamentos, de forma a provocar deliberadamente a dilapidação do patrimônio que poderia ser utilizado na quitação do débito judicial.
Com efeito, apesar de ainda aguardarem posicionamento definitivo pelo STF, as medidas atípicas são instrumentos processuais vigentes e que vêm sendo aplicadas, se submetendo, no entanto, ao exame das particularidades de cada caso concreto e aos limites que garantem o atendimento aos princípios da legalidade e motivação do ato, do contraditório, da proporcionalidade e razoabilidade, bem como da dignidade da pessoa humana e da execução pelo meio menos gravoso, para que, conjugadas todas as condições, as partes e o juiz, em boa-fé e atentos aos nortes da cooperação processual, busquem a melhor alternativa para se alcançar a eficiência do processo e, enfim, a entrega material do direito já reconhecido judicialmente.
Fonte: Migalhas